Uma consideração muito importante na regulação do ciclo de sono-vigília é o papel da luz, a exposição ou a não exposição à mesma pode afetar grandemente este ciclo.
A luz do sol que é detetada pela retina do olho envia uma mensagem ao cérebro, mais especificamente a uma região em particular denominada núcleo supraquiasmático. Este situa-se na base do hipotálamo e funciona como o nosso relógio mestre “master clock” sincronizando todos os nossos ritmos e ajudando a manter um padrão de aproximadamente 24h. Estes sinais de luz acionam todo o tipo de eventos químicos e hormonais no organismo causando alterações fisiológicas e comportamentais. Como por exemplo, assim que a luz no nosso ambiente diminui, ou seja, depois do sol se pôr, a nossa hormona melatonina começa a ser produzida e a temperatura do nosso corpo começa a descer. Ambas as situações nos ajudam a ficar menos alerta e mais propensos a iniciar o sono. Com a ajuda da luz do amanhecer uma alteração hormonal ocorre, a melatonina deixa de ser produzida, pois ela é sensível à luz nomeadamente do espectro azul (aproximadamente 460nm), dando lugar à produção do cortisol que nos ajudará a sentir mais alerta e prontos para um novo dia. Podemos assim dizer também que a luz faz-nos sentir mais alerta.
Quando este caminho entre a retina e o núcleo supraquiasmático se encontra interrompido/danificado, como no caso dos invisuais, o ciclo de sono e vigília pode ficar dessincronizado. Neste caso não existe uma sincronização com o ritmo do dia/noite, dando origem a uma perturbação do ritmo circadiano denominada ritmo das não 24h ou livre curso “free-run”.
A altura do dia a que nos expomos à luz tem também uma implicação direta no nosso ritmo circadiano. Ou seja, a exposição à luz de grande intensidade no final do nosso dia biológico (crepúsculo), irá atrasar o sono expandindo o nosso dia interno. Por outro lado, a exposição à luz intensa no final da nossa noite biológica/início do nosso dia biológico (amanhecer) irá originar um avanço do início do sono, ou seja, dá origem a uma compressão do dia biológico. Tão importante a estarmos expostos à luz durante o dia será igualmente importante a ausência da mesma no período da noite. Nos últimos anos temos vindo a assistir a um aumento da propensão para nos deitarmos cada vez mais tarde. Isto é particularmente prejudicial nos dias de trabalho porque, apesar de nos deitarmos mais tarde, os horários dos compromissos sociais mantêm-se (ex. escola, trabalho) dando origem a um encurtamento do tempo total de sono e, por conseguinte, levando à ocorrência de sistemas compensatórios de sono com períodos de sono muito longos nos dias de folga. Uma das fontes de luz noturnas que têm levado a um aumento da ocorrência deste tipo de comportamento é o uso cada vez maior das novas tecnologias tais como computadores e telemóveis, levando à supressão da produção da melatonina e a um início do sono cada vez mais tardio. Se o estado de alerta provocado pela exposição à luz destes equipamentos pode ser evitado utilizando filtros nos écrans que reduzem a intensidade da luz e alterando a mesma para uma cor na gama do vermelho (diminuindo a sensibilidade circadiana), o estado de alerta provocado pela estimulação cognitiva da utilização destes dispositivos não o é, e este vai igualmente dificultar o início do sono. Outra desvantagem, esta particularmente importante no caso das crianças e adolescentes, é a inatividade a que muitas vezes a sua utilização abusiva leva, conduzindo a elevados níveis de sedentarismo e à permanência dentro dos edifícios, não existindo uma exposição à luz solar importantíssima para todo o processo de sincronização circadiana.
A exposição à luz tem igualmente um efeito muito benéfico no humor e a sua eficácia tem sido demonstrada em estudos científicos, apresentando um efeito antidepressivo. Nos países do norte da Europa, uma forma de contornar a ausência de luz no período do inverno e de evitar a depressão sazonal, passa pela utilização de dispositivos de luz artificial (simulando o nascer e o pôr do sol), tentando mimetizar os efeitos benéficos da luz do sol.
Esta técnica de exposição à luz solar, também denominada de fototerapia, é igualmente muito utilizada no tratamento de doenças do sono do foro circadiano, tais como o avanço e o atraso de fase do sono, o jetlag e a doença do trabalho por turnos, utilizando a luz como fotosincronizador.
Desta forma podemos dizer que a luz é muito importante para a manutenção dos ciclos biológicos, bem como para o tratamento de doenças circadianas, ajudando na consolidação e timing do sono.
Cátia Reis
CENC - Centro de Medicina do Sono
ISAMB - Faculdade de Medicina, Universidade de Lisboa
Artigo do livro "Bons Sonhos", uma iniciativa da Associação Portuguesa de Sono, em parceria com a Philips, que reúne 11 artigos escritos por autores da Medicina do Sono portuguesa.