A sonolência diurna excessiva representa um dos principais fatores de risco para acidentes de viação, sendo responsável por 10 a 30% de todos os acidentes de viação e é a principal causa de acidentes fatais. No entanto, a importância relativa da sonolência tem sido largamente subestimada nas estatísticas oficiais publicadas, sendo referida apenas em 1 a 3% de todos os acidentes.
A síndrome de apneia obstrutiva do sono é um distúrbio respiratório com elevada prevalência na população e com enormes consequências a nível socioeconómico, sendo considerada atualmente um problema de Saúde Pública, na medida em que as suas repercussões neuropsicológicas, nomeadamente a hipersonolência diurna e a redução da concentração e da atenção, propiciam a ocorrência de acidentes laborais e de viação, com um risco 2 a 12 vezes superior à população geral.
O período após o almoço e de madrugada por volta das 4-5h da manhã são os períodos mais críticos de maior sonolência para todas as pessoas. Os doentes com apneia do sono, tendo em conta a sua situação patológica podem adormecer para além desses períodos, tornando-se um grave problema de saúde pública.
Um estudo conduzido pela European Sleep Research Society em 19 países europeus, teve como objetivo estimar a prevalência, os determinantes e as consequências da sonolência ao volante. Para esse efeito, foram realizados 12,434 questionários anónimos que revelaram que a prevalência da sonolência ao volante nos dois anos prévios foi de 17%. Entre os indivíduos que referiam esse tipo de sonolência, a prevalência de acidentes foi de 7%. Os países que registavam os maiores índices de sonolência foram a Holanda, Áustria, Bélgica, Portugal, Polónia e França. Os países com menor risco de sonolência ao volante foram a Croácia, Eslovénia e Itália.
A idade jovem, o género masculino, a condução ≥20,000 Km/ano, a sonolência diurna excessiva e a apneia do sono foram os principais determinantes para a sonolência ao volante. Assim, este estudo pan-europeu demonstrou o risco desta situação para a saúde pública, enfatizando a necessidade de esforços políticos para reduzir o peso da sonolência ao volante nos condutores.
Tendo em conta o risco aumentado de acidentes de viação nos doentes com apneia do sono, torna-se fundamental o seu diagnóstico para proceder ao seu tratamento de forma atempada. Habitualmente os doentes dirigem as suas queixas ao seu médico de família, pelo que este deverá reconhecer a clínica sugestiva de síndrome de apneia obstrutiva do sono para os referenciar para um especialista em medicina do sono.
Os doentes são frequentemente obesos, com um ressonar muito intenso, com pausas respiratórias visualizadas durante o sono, sensação de sono não reparador, alterações de concentração, atenção e memória, diminuição da líbido, nomeadamente disfunção eréctil nos homens e hipersonolência durante as atividades diárias.
A associação da síndrome de apneia obstrutiva do sono a complicações cardiovasculares, nomeadamente hipertensão arterial, doença coronária e doença cerebrovascular tem sido apontada como responsável pelo aumento da morbilidade e mortalidade observada nos doentes com apneia obstrutiva do sono.
O diagnóstico de apneia do sono é feito mediante a realização de um estudo do sono que se denomina polissonografia e que é um exame não doloroso, consistindo numa monitorização do sono realizada durante a noite por técnicos especializados e que permite avaliar a gravidade da patologia, para que o médico escolha o tratamento mais adequado. Em determinados casos, este exame pode ser realizado no domicílio do doente, através de um equipamento portátil, sendo analisado posteriormente no laboratório do sono.
O CPAP é no momento atual a terapêutica de maior eficácia comprovada na síndrome de apneia obstrutiva do sono. Consiste na aplicação duma pressão positiva contínua na via aérea superior. O CPAP funciona como uma almofada pneumática que impede o colapso de regiões vulneráveis da via aérea superior.
A terapêutica com CPAP reverte as alterações neuropsicológicas e diminui grandemente o risco de eventos cardiovasculares.
Tendo em conta que o tratamento da apneia do sono com CPAP é muito eficaz, reduzindo significativamente o risco de acidentes de viação, os doentes adequadamente tratados poderão obter ou renovar as suas cartas de condução, de acordo com a legislação em vigor (Decreto-Lei nº 40/2016 DR nº 145, Série 1 de 29-07-2016), desde que seja comprovada adesão e eficácia terapêutica (ausência de hipersonolência diurna) por médico especialista.
A aplicação deste tipo de tratamento não dispensa o cumprimento da boa prática da condução, que implica uma pausa a cada duas horas de condução e uma noite bem dormida antes de uma viagem longa.