Quais são os principais distúrbios de sono?

A última classificação da International Classification of Sleep Disorders (ICSD-3) de 2014 identifica 6 grupos nosológicos e que representam no total mais de 70 distúrbios de sono, alguns dos quais muito prevalentes na população.

Distúrbios Sono ICSD-3:

- Insónia
- Distúrbios respiratórios do sono
- Hipersonolência de causa central
- Distúrbios do ritmo circadiano
- Distúrbios do movimento relacionados com o sono
- Parassónias
- Outras perturbações do sono

Insónia

A insónia é o distúrbio de sono mais frequente, em que aproximadamente 50% da população teve já um episódio de insónia aguda nalguma fase da sua vida, normalmente secundária a algum factor de instabilidade e ansiedade, seja períodos de desemprego, diagnóstico recente de doença em si ou algum familiar, exames importantes na vida académica. Para ser definida como insónia crónica os sintomas devem ocorrer pelo menos 3 vezes por semana durante pelo menos 3 meses. A prevalência neste caso é de cerca de 25%.

A insónia é caracterizada por má qualidade do sono no contexto de dificuldade em iniciar o sono, despertar a meio da noite com dificuldade em retomar o sono ou por despertar muito mais cedo de manhã do que o desejado, definindo-se respectivamente como insónia inicial, intermédia e final.

A má qualidade do sono afecta negativamente o dia do doente, com sensação de sono não reparador, dificuldade em concentração, falta de energia, distúrbios do humor (irritabilidade, agressividade), diminuição do rendimento escolar e laboral, com impacto no absentismo.

A insónia é também causa de diminuição da esperança de vida com aumento do risco cardiovascular, obesidade, diabetes e compromisso da imunidade.

A insónia pode corresponder a um sintoma de outras doenças, mais especificamente patologias psiquiátricas como depressão e ansiedade, em que cerca de 40% destes doentes referem insónia.

É importante o reconhecimento da insónia como distúrbio de sono ou como doença co-mórbida e perceber que o tratamento é mais que uso de hipnóticos , como as benzodiazepinas, que apresentam consumos elevados no nosso país. A terapia cognitiva-comportamental é reconhecidamente mais efectiva para o tratamento destes doentes.

Apneia do Sono

O síndrome de apneia obstrutiva de sono (SAOS) é o segundo distúrbio de sono mais prevalente com valores que podem rondar os 10-40% na população geral.

A apneia de sono traduz-se por episódios repetidos de obstrução total ou parcial da via aérea durante o sono (apneias ou hipopneias) com consequente fragmentação do sono e dessaturação intermitente durante o sono.

São vários os factores de risco associados à doença como álcool, tabaco, alterações anatómicas craneofaciais, idade e uso de hipnóticos. A obesidade é o grande factor de risco da apneia de sono e por isso a maior causa do aumento da prevalência da doença.

Os sintomas da apneia de sono podem ser divididos em sintomas nocturnos e sintomas diurnos. A roncopatia, sensação de sufocação nocturna e apneias presenciadas pelo companheiro/a do doente são a tríade de queixas mais frequentemente referidas. Outras referidas também são os despertares nocturnos, nictúria e sonhos vividos.

As queixas diurnas mais frequentes são a sensação de sono não reparador, irritabilidade, flutuações do humor, problemas de memorização e sonolência diurna excessiva com o consequente impacto a nível laboral e de acidentes de viação. A apneia de sono apresenta um aumento do risco de acidentes de viação de risco de 2.5.

A apneia de sono representa um factor de risco independente de problemas cardiovasculares importante como a hipertensão arterial, arritmias, doença coronária e acidentes vasculares cerebrais. São vários os estudos que demonstram a relação da apneia do sono com o risco cardiovascular e que esse risco é maior quanto maior for a gravidade da SAOS.

A SAOS, quer pela sua prevalência quer pelas suas consequências cognitivas e cardiovasculares, deve ser encarada como um problema de saúde pública. O índice de suspeição deve ser elevado com encaminhamento dos doentes suspeitos para uma consulta de medicina do sono para realização de um estudo de sono, uma polissonografia, que pode ser realizada a nível hospitalar ou em ambulatório.

O tratamento com equipamentos de pressão positiva (CPAP) é o mais indicado nos doentes com SAOS moderado a severo. Outras opções terapêuticas são os dispositivos de avanço mandibular, a terapia posicional com dispositivos vibratórios, ou tratamento cirúrgico em casos muito particulares. São igualmente essenciais as medidas gerais de redução de consumo álcool, evicção tabágica e redução de hipnóticos a todos os doentes, e medidas dietéticas e exercício fisico para perda ponderal nos doentes obesos.

Síndrome das pernas inquietas

A síndrome das pernas inquietas (SPI) é uma doença do movimento relacionada com o sono cujo diagnóstico é clínico. A SPI requer quatro sintomas cardinais:

- necessidade imperiosa do doente mover as pernas por sensação desagradável e descrita muitas vezes como comichão, queimor, peso

- a sensação desagradável é aliviada, pelo menos temporariamente, pelo movimento

- os sintomas ocorrem predominantemente em repouso

- e são piores no final do dia e durante a noite.

Aproximadamente 1-3% da população reportam sintomas de SPI.

A SPI está associada a movimentos periódicos das pernas durante o sono em mais de 80% dos doentes, mas a presença desses movimentos não é necessária para o diagnóstico de SPI.

A doença está associada a défices de ferro e é comum na gravidez e nos doentes com insuficiência renal crónica. Pode também ser encontrada em associação com outro distúrbio de sono como a apneia de sono. Quando não encontramos associação com outra doença é designada como idiopática.

O síndrome de pernas inquietas tem impacto na qualidade de vida do doente. Os doentes têm dificuldade em iniciar o sono ou manter o sono com despertares frequentes. Esta fragmentação do sono resulta em sono não reparador e queixas decorrentes da privação de sono como sonolência diurna, irritabilidade, impacto na memória. Pode também estar associada a depressão e ansiedade.

É importante após o diagnóstico da síndrome das pernas inquietas aconselhar os doentes a evitar cafeína, álcool e tabaco e não fazer doações de sangue, pela perda das suas reservas de ferro.

A actividade física moderada deve ser encorajada, assim como actividades mentalmente estimulantes em períodos de repouso prolongados como viagens carro, comboio ou avião.

Tratamento não farmacológico como banhos mornos ou massagens pode ser efectivos nos casos leves de SPI. O doseamento da ferritina deve ser sempre realizado já que valores baixos impõem a reposição. Em casos graves de SPI o tratamento com agonias da dopamina está indicado.

Os distúrbios de sono são muito prevalentes na nossa população. As pessoas têm de estar alertadas e perceber que cansaço e sonolência diurna não são sintomas normais e que por isso devem ser investigados.

A polissonografia é o estudo mais realizado em consultas de medicina do sono, e pode ser realizado em ambulatório ou em regime hospitalar, de acordo com a suspeita clínica. No caso da apneia de sono o estudo mais frequentemente realizado é a poligrafia cardiorespiratória. Em caso de dúvida de outro distúrbio de sono pode ser necessário a realização do estudo mais completo, a polissonografia nível I com uso de mais sensores nomeadamente electroencefalograma, que nos permite o estadiamento do sono.

O sono é um pilar essencial do nosso bem estar. A privação de sono ou a má qualidade dele é causador de sonolência diurna e consequências cardiovasculares nefastas. A consciencialização das pessoas é essencial para uma procura de ajuda para a resolução do problema.

 

Daniela Ferreira

Coordenadora da Unidade de Sono do Serviço de Pneumologia do Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia/Espinho

Artigo do livro "Bons Sonhos", uma iniciativa da Associação Portuguesa de Sono, em parceria com a Philips, que reúne 11 artigos escritos por autores da Medicina do Sono portuguesa.

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